Do Darwinismo à Genômica
"Historicamente o melhoramento genético de animais foi
baseado na seleção de indivíduos com fenótipo desejável como pais para a
próxima geração. Comparando-se as populações mais antigas com as mais modernas
constata-se facilmente que a seleção artificial obteve sucesso em alterar
fenótipos apesar de não necessitar do conhecimento formal da genética. As
observações de Charles Darwin relatadas em sua obra Origem das Espécies (1859)
já indicavam os princípios da seleção, porém somente a partir dos experimentos
de Mendel (1900) os princípios da genética iniciaram a ser desvendados.
Pesquisadores como Wright, Haldane e Fisher completaram a
síntese entre darwinismo e mendelianismo em uma série de publicações desde 1924
até 1931 demonstrando como a seleção natural poderia agir sobre os “fatores
mendelianos” (hoje conhecidos como genes) que controlam características
quantitativas sob seleção. Fisher também demonstrou que os “fatores
mendelianos” poderiam explicar a semelhança entre parentes. Estes princípios se
tornaram a base do melhoramento genético científico de animais e plantas.
Utilizando o conhecimento genético e estatístico acumulado
até 1940, Lush e Hazel desenvolveram os princípios do índice de seleção para
otimizar a seleção artificial baseada em informações fenotípícas e no
parentesco entre os indivíduos. Porém, somente a variação genética “aditiva”
era considerada no modelo básico, além de apresentar outras limitações
estatísticas. Durante os anos 50, 60 e 70, Charles Henderson e seus
colegas lideraram avanços na chamada genética quantitativa, desenvolvendo as
“Equações de Modelos Mistos” que combinam a estimação de quadrados mínimos com
índice de seleção para derivar estimadores não viciados dos valores genéticos
de indivíduos criados em diferentes ambientes.
Porém, nenhuma destas metodologias requer alguma informação
da arquitetura genética das características sob seleção. O que se segue na
história do melhoramento genético das espécies veio preencher esta lacuna. Uma
explosão de descobertas nas áreas de métodos de análise do DNA, de equipamentos
sofisticados de análise de grande quantidade de amostras, de ferramentas
estatísticas e de informática (bioinformática) propiciaram o surgimento da
Genômica, ciência que trata do genoma completo dos diferentes organismos. O que
está ocorrendo é um espantoso acúmulo de dados “genômicos” que está à
disposição dos pesquisadores para serem interpretados e utilizados, o que deixa
em aberto uma enorme trilha a ser percorrida nos próximos anos.
Marcadores Moleculares e suas aplicações
A transição da genética mendeliana para a genética genômica
foi possível à medida que foram desenvolvidas tecnologias como a do DNA
recombinante e da amplificação de segmentos de DNA via PCR (Polymerase Chain
Reaction). Estas novas tecnologias de análise molecular da
variabilidade do DNA permitem determinar pontos de referência nos cromossomos,
tecnicamente denominados marcadores moleculares. São, portanto, caracteres com
mecanismo de herança simples que podem ser empregados para avaliar as diferenças
genéticas entre dois ou mais indivíduos. Tais marcadores podem ser utilizados
para as mais diversas aplicações, entre elas determinação de paternidade,
construção de mapas genéticos, mapeamento de características de herança
quantitativa, isolamento de genes, seleção assistida por marcadores.
Determinação de Paternidade
Levando-se em conta que cada indivíduo tem um perfil de DNA
único (com exceção de gêmeos univitelinos) e que algumas regiões do genoma são
altamente variáveis, a utilização de marcadores moleculares de DNA se tornou
uma ferramenta poderosa para identificação de parentesco.
Em rebanhos comerciais de bovinos de corte, mesmo integrando
programas de melhoramento genético, a incidência de “Reprodutores Múltiplos”
(pai desconhecido) é de aproximadamente 50%. Com a possibilidade de se
determinar a paternidade deste volume de dados, a resposta à seleção é
aumentada devido à melhora na acurácia das análises estatísticas de estimação
dos valores genéticos dos animais.
Mapas Genéticos
O desenvolvimento de mapas genéticos é considerado uma das
aplicações de maior impacto da tecnologia de marcadores moleculares. Os mapas
genéticos possibilitam a cobertura e análise completa de genomas e, portanto, a
localização das regiões genômicas que controlam caracteres de importância
econômica, os chamados QTLs, do inglês Quantitative Trait Loci. Permitem,
ainda, a quantificação do efeito destas regiões na característica estudada. Os mapas genéticos são desenvolvidos mediante a análise de
marcadores moleculares e técnicas estatísticas de uma população com
descendência. A mensuração da freqüência de recombinação entre dois locus
(probabilidade de troca genética) constitui o procedimento a partir do qual se
realiza o mapeamento.
Mapeamento de Características de Herança Quantitativa (QTLs)
A maioria das características de interesse econômico na
produção animal é controlada por muitos genes e, portanto, apresentam uma
variação contínua do fenótipo. Estas características recebem a denominação de
características quantitativas, poligênicas ou, ainda, de herança complexa.
Thoday, em 1961, sugeriu que se um gene de herança complexa
(oligogene) estivesse ligado a um gene de herança simples (monogene), os
efeitos fenotípicos do oligogene poderiam ser indiretamente estudados com base
nos efeitos do gene vizinho. Assim, com o advento dos marcadores moleculares, o
número de associações entre esses marcadores e caracteres de herança poligênica
foi ampliado significativamente. A determinação de ligação genética entre marcadores e QTLs
depende da existência de desequilíbrio de ligação entre os alelos no loco
marcador e alelos do QTL. Este desequilíbrio gera efeitos quantitativos
associados ao marcador que podem ser detectados e estimados através de análises
estatísticas adequadas.
A estratégia de mapeamento de QTLs está baseada no uso de
populações segregantes, as mesmas que são utilizadas para a construção de mapas
genéticos. O fenótipo da característica estudada é medido e os animais são
genotipados para os marcadores. É realizada, então, uma análise de associação
entre o fenótipo e os marcadores para detectar regiões no genoma onde há
probabilidade de existir um QTL.
Isolamento de genes
Utilizando informações sobre a fisiologia de genes homólogos
de humanos e camundongos, genes de interesse para a produção animal são alvo de
estudos (gene candidato). Através de clonagem posicional utilizando mapeamento
comparativo estes genes podem ser isolados. Uma vez conhecidos, os
polimorfismos dentro destes genes podem ser identificados através da técnica de
marcadores e estudos de associação podem ser realizados para determinar a
magnitude de seu efeito. Neste caso não é necessária uma população com
descendência, uma vez que o marcador é parte do próprio gene.
Seleção assistida por marcadores
Uma vez detectados os marcadores associados a uma
determinada característica de interesse (sejam eles ligados ao gene ou no
próprio gene), é possível selecionar os indivíduos com base no marcador sem que
haja necessidade de avaliar o fenótipo. Esta estratégia, denominada de “Seleção assistida por
marcadores”, oferece benefícios potenciais quando se trata de características
da baixa herdabilidade, difíceis e/ou de alto custo de medição ou que se medem
numa idade avançada como: Resistência a doenças, Qualidade da carne (maciez,
marmoreio, entre outros), Fertilidade, Eficiência produtiva, Qualidade e
quantidade de leite.
Atualmente, algumas características de qualidade de carne
(maciez, marmoreio) e de produção foram associadas com determinados marcadores
moleculares de DNA e estão disponíveis no mercado através de testes genéticos
oferecidos por empresas privadas. Assim, é possível identificar o genótipo
desejável para estas características em qualquer bovino mediante a análise de
uma amostra de DNA obtida de seu sangue ou tecido. A informação obtida pode ser
empregada para aumentar a freqüência do marcador que está vinculado de maneira
positiva com a característica de interesse, graças à seleção daqueles
reprodutores portadores destes marcadores.
De outra forma, programas de melhoramento têm combinado a
seleção quantitativa com a seleção assistida por marcadores para escolher como
futuros reprodutores os animais com valores mais desejáveis de DEP e portadores
dos marcadores desejáveis, agrupando ambas estratégias dentro de um índice de
seleção.
E o futuro?
Os enormes avanços na área biotecnológica impulsionaram as
pesquisas genéticas de forma muito rápida, porém, têm se discutido que, à
medida que novas descobertas são anunciadas, muito mais questões do que
respostas são formuladas. O que os produtores de bovinos de corte esperam como
resultado destas novas tecnologias? A seleção pelo DNA irá substituir as
técnicas usuais de identificação de animais superiores (DEPs)? Quais as funções
dos genes que foram identificados e como estas funções são alteradas pelos efeitos
ambientais? Como os vários genes responsáveis por características de
importância econômica interagem entre si? Como podemos combinar a informação de
performance com a informação dos marcadores de DNA para produzir “DEPs
ajustadas por DNA”? Qual o custo desta tecnologia e o retorno que ela oferece?
Estas e outras questões devem ser elucidadas à medida que resultados práticos
sejam obtidos e o custo destas técnicas torne viável a sua ampla
implantação."
Fonte da revisão: Adaptado de Beef Point (Fernanda Varnieri
Brito, Vânia Cardoso, Roberto Carvalheiro, Luiz Alberto Fries, Carlos Dario
Ortiz Peña, Mario Luiz Piccoli, Vanerlei M. Roso, Flávio Schenkel e Jorge Luiz
Paiva Severo)
Fonte da imagem: http://scienceblogs.com.br
Minha gente,
É fato que nesses últimos anos muitas novas metodologias
surgiram. Mas será que a genômica veio nos trazer alguma novidade? Será que ela
é viável para as informações disponíveis no Brasil? Ou será que estamos
"correndo correndo atrás do rabo"? E vocês o que acham? Fica o questionamento.
Um abraço,
Tássia